"Em Portugal, há duas coisas grandes, pela força e pelo tamanho: Trás-os-Montes e o Alentejo. Trás-os-Montes é o ímpeto, a convulsão; o Alentejo o fôlego, a extensão do alento.
Províncias irmãs pela semelhança de certos traços humanos e telúricos, a transtagana, se não é mais bela, tem uma serenidade mais criadora.
Há quem adormeça de tédio a olhar a uniformidade da sua paisagem, que no inverno se veste dum pelico castanho, e no verão duma croça madura.
Queixam-se da melancolia dos estevais negros e peganhosos, que meditam a sua corola branca um ano inteiro...
Cruzo a região de lés a lés, num deslumbramento de revelação. Tenho sempre onde consolar os sentidos, mesmo sem recorrer aos lugares selectos dos guias.
Sem necessitar de ir ver o tempo aprisionado nos muros de Monsaraz, de subir a Marvão, que me lembra um mastro de prendas erguido dum terreiro festivo...
Embriago-me na pura charneca rasa, encontrando encantos particulares nessa pseudo-monotonia rica de segredos.
Nada me emociona tanto como um oceano de terra estreme, austero e viril.
A palmilhar aqueles montados desmedidos, sinto-me mais perto de Portugal do que no castelo de Guimarães.
Tenho a sensação de conquistar a pátria de novo, e de a merecer.
Mais do que fruir a directa emoção dum lúdico passeio, quem percorre o Alentejo tem de meditar.
E ir explicando ao olhos a significação profunda do que vê.
E talvez nada haja de mais expressivo do que esse limite nítido entre a intimidade do homem e a integridade do ambiente."
Texto de: TORGA, Miguel. "Portugal". Coimbra Ed.; 1980[1950]. Coimbra. P: 119-129.
Como na Terra... o Céu!!
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