Boas vistas

quinta-feira, 21 de abril de 2011

AINDA A PROPÓSITO DO TUA

DESESPERANÇA


Já não sei que mais navios
buscarão este insalubre
litoral nosso desfeito
dentro da própria espuma


Já não sei que mais navios
cortarão na noite intensa
velhas ânsias de chegar
sua renascida pressa


Já não sei que mais navios
virão com carga no ventre
abastecer a distância
interior da minha gente




RIO TUA


Vão as serenas águas deste rio
correndo, e até à foz
tanta vez param.


Talvez solidárias, taciturnas,
talvez em rumor de insurreição.


Se os salgueiros chorassem, como diz
a gesta, meu amor,
o povo chorariam.


Que a barca desce o rio entre linhares,
no vagar da corrente;
mas só a pulso alguém a poderá
fazer subir de novo
as águas quase mansas.


Infunde, ó rio, a líquida dedada,
a marca enorme do que passa devagar
no sal e no fermento do destino
terrestre de quem vive
e morre ribeirinho.


Rio Tua, diz da tua
morna mágoa à flor das pedras.

A. M. Pires Cabral


QUASE EPITÁFIO


O outro sabia.
Tinha uma certeza.
Sou eterno, dizia.


Eu não tenho nada.
Amei o desejo
com o corpo todo.


Ah, tapai-me depressa.
A terra me basta.
Ou o lodo.


Eugénio de Andrade

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